segunda-feira, 22 de agosto de 2011

8º Capítulo: Arquivos de Família

            Eu acordei com uma meta hoje. Eu iria descobrir tudo sobre meu protetor, ou melhor, Gabriel. Ele esteve ao meu lado, todo esse tempo. Agora é a minha vez de estar lado dele. A manhã seria corrida, eu sabia disso. Por isso a iniciei com um grande prato de cereais matinais. Minha mãe estranhou essa minha repentina fome pela manhã. Afina, o café da manhã é sempre a minha menor refeição.

            "Mãe, preciso dos arquivos e tudo mais sobre nossa família."– Falei em um tom decidido, nem eu mesma sabia que havia essa determinação em mim.

            "Está tudo no porão filha. Eu não posso ir com você agora, mas..." – Sua voz foi gradativamente silenciando-se e eu tinha certeza de que tudo veio a tona: Meu pai. No começo eu achava que ela sabia para onde ele havia decidido ir, mas com os anos eu percebi que sua dor era tão grande, que ela não conseguia nem pensar no assunto. Os arquivos de família eram a paixão dele, então ela não conseguiria e eu não a cobraria por isso. Jamais.

            "Tudo bem, eu vou sozinha." – A interrompi.
           
            Ela assentiu com rugas entre a sobrancelha. Percebi que o canto de seus lábios começou a recair sem ela mesma perceber. O que minha mãe precisa agora é de privacidade. E é isso o que eu vou fazer, pois ela merece ser feliz, e com as lembranças sendo remoídas nada será esquecido.

            Meu pai era quem cuidava de tudo, esses arquivos eram exatamente o que ele tinha de mais precioso e com certeza, toda a família pensava assim. Era como se você pudesse voltar ao passado e viver tudo o que seus antepassados viveram. Eu lembro como se fosse hoje como ele dizia com carinho sobre tudo. Eram tantas historias e diferentemente de todas as outras, essas eram interessantes. Como ele dizia... “Estava no sangue” e deve ser por isso que eu sempre gostei.

***

            As escadas que davam para o porão são exatamente como em filmes, talvez todos os porões – pelo menos os que permanecem intactos ao passar os anos – sejam iguais. Eu nunca havia vindo aqui desde a mudança. No porão está tudo completamente sujo e não há mais nada além de dois armários e uma mesinha no canto do cômodo. A mesa parecia ter sido usada há pouco tempo, pois o pó estava fincando–se ainda. Estranho, vou conversar sobre isso com minha mãe depois, pois ela com certeza não esteve aqui.

            Decidi não enrolar mais e fui à busca dos livros. Os arquivos ficavam divididos conforme a letra inicial do nome do antepassado da família. A cada década uma pessoa ficava responsável por introduzir nomes a esse livro. Encontrei o livro pertencente à letra G e vasculhei cada linha, em busca de uma única pista sobre Gabriel Stoni Bonsóar, e o mais estranho é que não há nada. Gabriel Avelar, Gabriel Beonino... Gustavo Feróin... E nada do meu Gabriel.

            Sentei–me na mesa e decidi pensar um pouco no que meu pai me contava. Imediatamente lembrei–me de uma história. Quando eu tinha mais ou menos oito anos, meu pai me disse sobre um livro de magia. Esse livro pertencia à alguém que morreu à muito tempo, mas não conseguiu ingressar em um novo mundo. Hoje tudo fazia sentido. Esse era o livro de Gabriel. Mas como o encontrar? Eu me fixei nas histórias de meu pai e tentei procurar algum lugar que possivelmente esse livro estaria. Castelos, fazendas, nuvens, planetas distantes... Em nenhum deles, com certeza.

            Segui os próximos setenta minutos tentando me concentrar e lembrar como eu poderia encontrar alguma pista de como chegar à verdadeira história de Gabriel Stoni
Bonsóar. Eu ficaria aqui pelo restante do dia, Mas...

“Júlia, Júlia minha filha! Você está ai?”- Minha mãe me chamava terrivelmente desesperada.

“Estou aqui mãe!” – Tentei acalmá-la
           
“Graças a Deus Ju! Eu havia esquecido que você estava ai. Você pode subir para comermos?”

            “Já estou a caminho.”

            Olhei mais uma vez para aquele lugar. Eu sentia que faltava alguma coisa, mas resolvi deixar para depois. Afinal, estava com muita fome. Eu não sabia por onde começar, nem onde eu iria chegar, só sei que hoje o que eu mais quero é ele. Seu bem. Mesmo que todo mal caia em mim. Eu tenho certeza que é o que ele faria por mim. É o mínimo de retribuição que eu posso transparecer.

            Apressei-me e cruzei até a metade do porão até que eu tropecei. Era um tapete, mas não foi ele o culpado pela minha queda. Na verdade, havia alguma coisa abaixo deste.
Não me contive. Ao levantar o tapete, encontrei um cadeado que aparentemente, deveria proteger um “fundo falso”. Ele estava destrancado. Ao abrir, meus olhos focalizaram imediatamente a uma única direção. Lá estava ele. O livro de magias.

Almocei o mais rapidamente que pude e acabei comendo pouquíssimo. A minha ansiedade está enorme. Eu o havia encontrado. Eu não poderia estar mais feliz. O livro de magias que meu pai tanto me falara na minha infância. O mesmo livro que nunca dera a devida importância. Mas agora eu estaria com ele, e ele me levaria até Gabriel. Pelo menos eu esperava. Abri o livro em uma pagina qualquer e comecei minha leitura. Estava mais ou menos ao meio do livro. Era uma letra bonita e parecidíssima com a de Gabriel. A diferença é que essa parece uma letra com borrados, como se estivessem sido escritas com agilidade e de uma forma anormal, me transmitem medo.

“ Gabriel Bonsóar, 1815

Hoje estou aqui. Tentando imaginar qual será meu próximo passo. Por enquanto, eu sei que conseguirei escrever esse livro e poderei organizar tudo o que eu ainda sei. Talvez ninguém nunca imagine como eu estou fazendo isso. Então irei dizer. Hoje eu vi minha própria morte. Acontecerá daqui a um mês. O mal virá até mim. Somente não sei por que irei morrer se eu tenho poderes o suficiente para detê-lo. Talvez o que me diziam seja verdade, eu não deveria existir. É contra todas as leis da natureza. É contra tudo o que se possa imaginar. Eu concordo, eu sei que a maldição correrá até mim e eu terei a terrível certeza de que algo terrível acontecerá. Eu necessito saber se ela ficará bem. Ela não tem culpa de nada. Absolutamente nada do que ocorreu. Eu preciso salvá-lo, eu preciso deixá-la a salvo. Somente assim eu estarei em paz.”

É o livro de Gabriel. O meu Gabriel. Mas eu não entendi o porquê dessa letra terrivelmente diferente e que me ponderava nesse “mal”. Eu estou preocupada. Como alguém tão bom pode ter ocasionado algo tão terrível? E que algo é esse? Quem é essa pessoa que ele precisa proteger? Seria a mim? Como? É um pouco ilógico de mais. Em 1815, eu com certeza não estava viva. Eu poderia responder a todas essas perguntas se meu pai estivesse aqui. Eu preciso tanto dele nesse momento. É como se tudo rondasse em uma mesma pessoa, ou até mesmo duas. Como se essas pessoas pudessem me responder tudo e ao mesmo tempo, nada. Como se esse nada se tornaria exatamente tudo o que eu preciso, se ele: João – meu pai – estivesse aqui.

sábado, 20 de agosto de 2011

7º Capítulo: Mudanças de sentimentos

Protetor - Amizade    

              A escola está sendo ótima, eu já estava arrependida de achar que eu não me sentiria bem no meio dessas pessoas. Eu percebi que eu não me sentia bem mesmo, na outra cidade. A única coisa que contradiz isso é a Cecília. Ela continuava a me encarar, nos horários de entrada, intervalo e saída. Como se ela quisesse que eu desaparecesse, e eu não conseguia entender. Como uma garota que eu nunca havia visto consegue me odiar tanto? Ela era linda. Seu cabelo loiro caía sobre seus ombros e seguia até a linha da cintura e sua pele é de uma porcelana perfeita. As bochechas rosadas a tornavam uma “graçinha” Ela é, podemos dizer... Perfeita! Pelo menos a aparência. Nenhuma garota da escola chega a seus pés. Talvez nem da cidade. Ela é popular, mas parece que não aprova muito isso. Talvez eu esteja errada, mas eu sempre confiei no que eu senti. E dessa vez eu pareço estar mais certa do que nunca.
Minha vida está maravilhosa, tão maravilhosa que eu estou com medo. Eu estou cada vez mais próxima do meu protetor. Eu não o via, mas eu o sentia. Sentia como se cada vez mais houvesse um vínculo entre nós. Era como se nós nascêssemos para estar juntos, sempre. Eu não sabia seu nome, nem sua idade, não sabia sua aparência, nem seu jeito. Sei apenas que é nele que eu posso confiar. Sei que ele é meu agora, somente meu. Melhor amigo, acho que posso denominar assim.

            Como ele mesmo disse na primeira carta, ele estaria aqui como um amigo para me ouvir. E é isso que ele vem feito, e é ótimo, pois eu nunca confiei em ninguém e todas as vezes que fiz isso, eles me decepcionaram. Como eu já o citei é apenas meu. E eu gosto tanto dele, que seria capaz de protegê-lo acima de tudo. Tão contraditório. Ele é meu protetor, porém eu faria isso por ele. Eu tenho falado sozinha ultimamente. Faz muito tempo que eu não recebo nenhuma carta com ele como remetente.

***

Hoje era dia de fazer compras. Isso nunca me agradou, mas eu estava sem roupas devido à mudança. A saudade do meu protetor está tomando conta de mim. Eu sei que ele sempre estará comigo, mas a ausência de suas cartas dói de uma maneira completamente inevitável, inapagável e inexplicável.

            "Filha, eu vi um vestido maravilhoso para você." – A minha mãe tinha um espírito de adolescente melhor que o meu quando se tratava de comprar roupas.
           
            "Tudo bem mãe, eu vou olhar." – Ela percebeu meu tom desanimado.

            "O que aconteceu, filha?" – Ela realmente estava preocupada.

            "É só que meu protetor nunca mais falou comigo." – Meus olhos pareciam encharcar de lágrimas.

            "Isso é ótima filha. Pelo menos ele não deu nenhuma notícia ruim, não é mesmo?" – Ela começou com um tom triste e passou para a mais contagiosa alegria.
           
            "É, tem razão. E além do mais, mais cedo ou mais tarde ele irá vir falar comigo." – Eu me animei.

            "Certo, agora vamos antes que o vestido acabe." – Ela acrescentou.


            Chegamos em casa, completamente cheias de compras e até mesmo Rafael possuía suas sacolas. Minha mãe diz que um homem tem que aprender a se cuidar desde pequeno para poder amadurecer rápido e se tornar um jovem despojado.

            Eu abri a porta e as sacolas não me deixavam ver nada embaixo delas. Pisei em alguma coisa e quando olhei para ver o que havia no chão, lá estava ela, uma nova carta. E pela primeira vez, eu estava feliz.

Protetor - Irmandade

            Acabei de depositar todas as minhas roupas no guarda-roupa. Tudo amontoado de uma maneira que ficasse rápido para guardar. Eu estou extremamente ansiosa e receosa. E se acontecerá algo errado? E se ele não puder estar comigo? Eu nunca descobrirei sem lê-la, portanto estou decidida a abri-la agora.
           
            Peguei a carta e comecei a analisar o envelope. Um flash passou na minha cabeça. Desde aquele primeiro dia. Desde que eu descobri absolutamente tudo desse assunto: protetor e protegido. Eu não tenho como evitar e o pior é que eu não quero evitar. Abri um sorriso quando imaginei ver sua letra novamente. Recuei quando tentei abrir pela primeira vez, porém é inevitável, eu preciso dela do mesmo modo que preciso do ar.

        "Olá meu anjo! Espero que não se decepcione. Mas dessa vez eu venho somente constar que você se lembre de mim ao menos um minutinho de sua preciosa vida."

        Ele é um fofo. Acho que é a pessoa (mesmo talvez ele não sendo uma) mais fofa que já conheci. Acho que o que eu mais amo nele, é sua linguagem. É tão correta e isso a torna tão romântica. Calma, romântica? Foi isso o que eu disse? Talvez não seja a palavra certa. Mas, eu não encontro outra melhor agora.

        "Espero que esteja bem, espero que não queira que eu vá embora, jamais. Quero que saiba que você foi a única garota que esteve aqui, que eu não protegi por obrigação, ou por não possuir nada melhor para fazer. Eu não quero que aconteça nada de ruim a ti. Por isso, venho aqui por meio dessa mera carta, lhe dizer para cuidar–se."

            Eu acho que esse garoto gosta de me ver chorar. – Eu pensei piscando e fazendo uma lágrima cair.

"Como seu irmão, eu estou aqui. Para te proteger e conceder–lhe a minha existência se for preciso para te ver feliz, com saúde e inteiramente viva. Até mais! Estou contigo, lembre–se disso."


            Eu estou tão feliz, ele me mandou uma carta. ELE. O meu protetor. Quem daria sua vida pela minha. Eu quero fazer algo por ele. Queria poder trazer ele para mim. Quer dizer, para esse mundo, não exatamente, para mim. Não foi isso o que eu quis dizer. Para nós. Não, só para mim. Ai, não. Ultimamente eu estou dizendo coisas estranhas, sobre ele, sobre mim, sobre nós... Eu estou em uma terrível confusão de sentimentos. É tão contraditório, ele: quem faria tudo e até mais para mim. E eu, que gostaria que ele estivesse aqui. A pessoa mais inalcançável e inatingível, é a única que eu quero para mim.

Protetor – Amor?

            Meu protetor, eu ainda não conseguia acreditar que eu tinha um. Eu não havia imaginado como em apenas duas semanas após aquele intrigante acidente, pelo qual eu não possuía nenhum arranhão e fui salva por algo que eu não faço a mínima idéia do que seja eu poderia ter mudado tanto. Eu continuava a receber aquelas cartas.
           
Elas continuavam a me avisar de tudo o que aconteceria na minha vida. No começo eu tinha meus suspeitos, mas depois de receber algumas notícias sobre minha própria vida, eu percebi que havia alguma coisa muito, mas muito estranha por ali. Eu sabia que era esse tal protetor, mas eu não entendia porque ele havia ME ESCOLHIDO. Poderia ser meu irmão, ou até mesmo minha mãe. Mas fui eu! Eu estava agradecida por isso.

            Eu havia criado um grande vínculo com ele e todos os dias eu me perguntava se ele sentia o mesmo. Esse meu vínculo mudou repentinamente de ódio para amizade, de amizade para irmandade, de irmandade para amor. Amor? Será isso mesmo? Se você denominar de amor quando quereremos trocar tudo por alguém e vê–lo feliz, quando você percebe que a única coisa que te mantém aqui é ele, e quando o que você mais quer é estar junto todos os dias, todas as horas, todos os minutos da sua vida com uma pessoa apenas; O que eu sinto é amor. Mas é tão estranho, é completamente indiferente de um ”amor normal”. Todos os casais desse mundo não têm o grande problema que nós temos: a distância. E essa distância não é apenas de quilômetros e sim de talvez, séculos... E possuímos uma barreira que nos impede de vermos um ao outro, ou melhor, de que eu o veja. Eu realmente não sei como eu consigo o amar sem ao menos tê-lo tocado uma vez. Eu somente sei que é amor. E sempre será.

Trindom, Trindom

            Eu saí correndo para atender a campainha, minha mãe diz que eu pareço criança atrás de doce e eu até que concordo. Mas, eu sempre sinto quando é ele. E isso é tão sensacional. Suas cartas me trazem um sentimento que é inexplicável. Tão diferente e tão irreal.

"Olá minha princesa! Eu preciso ficar um tempo comigo mesmo. Vou demorar a escrever–lhe novamente. Desculpe-me e não se preocupe. Se for acontecer alguma coisa, eu lhe avisarei e protegerei. O problema é que eu não acho certo o que estamos vivendo e sentindo. Só posso te dizer uma coisa: Eu te amo e sempre amarei!”

            Continuei lendo

“Não importa que caminho você escolha. Não importa quantos anos você terá. Quando você precisar é só me chamar. Eu espero que não se magoe, não é certo. Nós somos inalcançáveis. E você sabe disso.”

            Na verdade, nada importava se eu o possuísse mesmo tão distante
           
                                                 “Com muito amor e carinho
                                                        Seu eterno protetor.”


Eu estava sem reação. Só sabia que eu iria guardar essa carta juntamente à todas as outras que ele me mandou. Mas antes, como de costume, olhei o verso e uma coisa mudou lá:

"De Gabriel Stoni Bonsóar
Para Júlia Stoni"

Gabriel, assim como o anjo. O meu anjo Gabriel.

sexta-feira, 12 de agosto de 2011

6º capítulo: Protetor


            A semana passou muito rápida e eu só percebi que tinha chegado ao fim quando acordei no sábado. Eu estava esquecendo-me dessas cartas. Quando eu vi todas aquelas letras com uma caligrafia esbanjando perfeição, acabei dizendo pra minha mãe que precisava de um tempo para ler, pois eu estava completamente em êxtase. A carta continua em minha escrivaninha: parada, completamente tampada por trabalhos e lições. Perdida. Não somente fisicamente, como também em meus pensamentos. Decidi viver sem preocupação com essas cartas, pois se eu não ligasse isso acabaria logo, se já não acabou.
           
Os dias passaram as semanas também e eu já estava a um mês naquela casa. Não havia cartas e eu estava chegando à conclusão de que era uma brincadeira de alguém que conhecia a história da família, e não é muito difícil. Alguém, que sabe que eu poderia ser a protegida segunda a lenda. Havia muitas pessoas da família que odiava não poder ficar com a casa, porque como minha mãe disse, ocorreu àquele terrível incêndio, então... A casa possuiu pelo menos um século. Uma relíquia.

É domingo, e eu tinha combinado com a Lúcia para nós passearmos pelos bares da orla, saboreando os petiscos e uma boa água de coco. Tenho certeza que será um ótimo dia.

Trindom, Trindom.

            "Bom dia, senhorita Julia Stoni, por favor?" – Era outro carteiro, agora uma mulher.

            "Sou eu mesma." – Respondi com uma aspereza desnecessária.

                        Uma carta para mim, da última vez isso não foi legal.

            "Assine aqui querida." – Ela apontou

            "Prontinho, obrigada!" – Dei um sorrisinho simpático tentando me desculpar ter sido tão grossa.

            Essa carta possui algo diferente. Remetente. Isso não me aliviou, pois era um remetente totalmente estranho e parecia em código. Parecia à mesma letra, a mesma caligrafia. Porém, o grande tempo que eu estive sem vê-la a tornou uma imagem nebulosa e sem nexo e eu não sei dizer se corresponde à mesma:

De G. Stoni
Para Julia Stoni

            "Deve ser algum primo distante." – Resmunguei comigo mesma e comecei a abri-la, imediatamente lendo.

"Julia, você saberá quem eu sou, abra a outra carta. Por favor, eu só quero te proteger, só isso. Você é minha agora. Quer dizer, eu preciso de você. Não, eu preciso que você esteja salva. Escute-me. Eu só estou aqui para te proteger, e se você não quiser, grite agora: VÁ EMBORA! E eu nunca mais te darei noticias, nem de sua vida, nem de mim."

            Eu não tive reação e quando pensei em gritar e acabar com tudo isso, a única coisa que pude pensar e dizer foi:

            "FICA, FICA COMIGO!" – Eu gritei desesperada

            O QUE EU ACABEI DE DIZER? As palavras saíram como uma onda de emoções que eu jamais senti antes.

"Talvez você não me queira mais aqui, mas mesmo assim, você tem que saber. Tome cuidado, hoje na volta de seu passeio haverá um acidente. Eu não quero que nada te machuque. Se eu pudesse estaria lá com você.
Mas, já que não estou PROTEJA-SE! E da melhor maneira é estando em casa, ao longo de toda essa noite. Lembre-se sempre : Eu estou aqui quando quiser."

            Uma lágrima caiu do meu olho. Eu nunca achei que um dia alguém faria isso por mim, será que eu estou ficando maluca? Como alguém pode viver tanto em função de alguém? Segundo a lenda ele pode. Mas essa lenda é real? Eu não posso acreditar.

            Resolvi ler a outra carta, ele merece isso. O meu protetor, ou não sei o que, merece isso. Afinal, essa carta provavelmente irá esclarecer as coisas entre nós.

"Olá, seja bem vinda Julia. Espero que você já conheça a história. Se não, não posso lhe contar agora. Saiba que eu sempre estarei com você, que eu sempre a protegerei. Darei a minha existência se for preciso."

            As lagrimas caiam de repente. Começando tranqüilas, lavando todo o meu rosto. Depois começaram a ficar mais urgentes, como uma chuva de verão. A única diferença é que ela não parecia que iria parar tão rápido.

"Não fuja, eu sempre estarei aqui. Eu serei seu amigo, para lhe escutar. Eu serei seu pai, para te proteger. Eu serei seu irmão, quando você precisar chorar. Eu serei até mais, se você quiser."

            Todas as lágrimas caíam sem parar e minha visão não agüentava. Eu somente sabia que eu queria estar com ele e ele queria estar comigo. Então nossa relação poderia ser tão produtiva e tão amigável que eu me arrependeria sempre por quere-lo longe de mim.

            "Obrigada!" – Foi à única coisa que eu consegui dizer.

            Eu limpei as lágrimas e continuei

            "Desculpe-me por não ter acreditado em você, e eu nunca irei lhe abandonar. Mas eu tenho que viver, estou indo para a orla com a Lúcia. Até mais. Cuidarei de mim e se cuide!"

            Passeamos tranqüilas pela noite de Maragogi. Realmente, é muito agradável. Comemos petiscos e conversamos sobre quase tudo – tirando o meu protetor. A única certeza que eu tinha, é que ele estaria comigo de alguma maneira e que ele está aqui.

Lucia pegou um ônibus e eu decidi caminhar, pois minha casa era próxima de onde estávamos. No caminho, eu estava andando rapidamente para não pensar muito em meu protetor e no acidente que ele havia comentado.
Parei e esperei o sinal fechar, eu estava preste a atravessar quando vi uma borboleta, ela era linda e a mais bela que eu já havia visto. Ela posou em uma flor e eu não atravessei, o sinal abriu e eu estava a apreciando. Ela voou procurando a liberdade. Eu me virei e quando fui atravessar, um caminhão bateu em outro, há pouco mais de um metro de mim. Eu entrei em pânico e a ponto de desmaiar. Ele me avisou, ele me protegeu. E por pouco eu não estava ali no meio dos dois caminhões, esmagada. Quem sabe até morta.

"PROTETOR" – Foi à única coisa que veio em minha mente antes de tudo escurecer.

terça-feira, 9 de agosto de 2011

5º Capítulo: Família Stoni


Não acredito, estou atrasada e em pleno segundo dia de aula. Tomei café correndo e fui para o carro com a minha mãe. Eu sentia que estava esquecendo alguma coisa, mas o que? A ida para a escola foi preocupante. Quase nunca ficávamos sem trocar uma palavra se quer por mais de cinco minutos, e hoje, se passou até mais e não dissemos nada. Minha mãe parecia preocupada, talvez algo do trabalho. Ou talvez não.

            Quando cheguei na escola a maioria dos alunos ainda estavam enrolando no pátio. Ótimo. Cheguei perto da minha turma e fui para a aula com Lúcia.

Aula de Educação Física. Jogamos vôlei. Aula de Matemática: Trigonometria. Isso me lembrou da Estela com sua piadinha: "Porque a matemática é virgem? R.: Porque o trigo–não–metia!" Eu sorri sozinha. As aulas passaram e eu já estava em casa com meu irmão. Almoçamos e esperamos nossa mãe em meu quarto, contamos sobre nosso dia.

            Eu lembrei o que eu estava esquecendo, precisava perguntar para minha mãe sobre a Carta, ou as Cartas que estavam me assombrando. Eu sinceramente não queria tocar mais nesse assunto, gostaria de esquecer e poder tornar minha vida normal novamente e vive-la do mesmo modo. Mas eu continuava com aquele sentimento estranho. Como se aquela carta pudesse me mostrar um caminho, uma vida, uma história... E que ela poderia me trazer felicidade. Eu estou estranhamente me sentindo maluca.

Toc, Toc.

            "Pode entrar." – Tirei os fones de ouvido.
           
            "Adivinha o que eu tenho aqui?" – Minha mãe disse animada.

            "Doce, pizza, marshmallow, coca, nutella ou brigadeiro? Ou todos?" – Disse com uma animação ainda maior.

            "Nenhum deles, uma carta." – Ela me olhou com decepção entoando em seu rosto e ao mesmo tempo surpresa.

            "Mãe, isso era a pior coisa que poderia me falar." – Recoloquei um dos fones e a decepção era visível em minha voz.

            "Tá bom, então eu acho que agora posso jogar no lixo a carta que você recebeu ontem."

            "A SENHORA ESTAVA COM A MINHA CARTA? NÃO ACREDITO COMO NÃO ME DISSE?" – Minha voz soava como uma obrigação que ela havia esquecido. Como se fosse caso de vida ou morte.

            "Calma, você não me deu tempo para explicar e tem outras coisas que você precisa saber. Vamos descer."

***

            "Eu preciso lhe contar algo sobre a nossa família." – Minha mãe disse sentando no sofá e me guiando pela mão até a poltrona.

            Ela olhou para mim e eu não respondi. Ela prosseguiu:

            "Eu nunca achei que teria que lhe contar sobre isso."
           
            Ela olhou para mim novamente. A única coisa que eu pensava era no meu pai, mas talvez eu não pudesse estar mais errada. O que era tão ruim para que ela não quisesse me contar?

"Bom, você sabe que eu comprei essa casa de um tio seu. Não sabe?"

            Acenei com a cabeça. Tivemos essa conversa ontem, talvez ela quisesse falar que meu tio quer a casa de volta. Isso seria ótimo. Ela prosseguiu

"Há muito tempo, por volta da década de 80, houve um terrível acidente nessa casa, um incêndio. Havia um garoto de mais ou menos sua idade e ele não conseguiu sair."

            Eu olhei pasma, eu morria de medo de fogo, minha mãe sabia então como ela está me contando uma história de um garoto que morreu aqui? E assim? E não é querendo ser chata, mas o que essa história tem haver comigo?

            "Ele não conseguiu sair." – Minha mãe fitou o chão e parecia estar claramente chocada.

            “Sim mãe, e ele morreu. Morreu da única maneira que eu não gostaria de morrer.” - Eu disse tentando clarear as coisas na minha mente. Continuei:

            “E mãe, não é querendo ser chata ou mal educada. Eu amo as historias de família, mas... O que isso tem haver comigo?” – Eu disse me aproximando dela.

“Ele não conseguiu sair.” – Minha mãe pronunciou cada palavra separadamente, dando ênfase principalmente no ‘sair’. Ela me olhou.

“Sim mãe, eu sinto muito se ele não conseguiu sair. Mas, eu sei que você não tem nada haver com isso. Na década de 80, nenhuma de nós tinha nascido.” – Eu disse tentando acalmá-la. Nem eu mesma sabia do que.

“Ele não faz parte da sua família. Na verdade, ele é um primo, mas...” – Ela se interrompeu, parecia que ela estava escolhendo as palavras.

“Mas? É? Ele morreu mãe.”

            “Ele na verdade, era um garoto normal, ele faz parte da família, por consideração. Todos se afastavam dele. Achavam que ele era um monstro.” – Minha mãe pausou e suspirou. Novamente continuou. – “A avó da sua tataravó talvez, o adotou. Ele é incomum.”

            “É? Mãe, porque você continua com essa historia de falar que ele é?” – Eu disse parecendo assustada. Ela percebeu, pois seu olhar mostrava que agora ela diria.

“Ele não conseguiu sair. E nunca conseguirá.” – Ela me olhou e eu retribui.

Por um momento eu consegui pensar e as únicas palavras que pronunciei foi:

            "ELE CONTINUA AQUI?" – Comecei a rir, nunca acreditei nessas coisas, era apenas folclore. E um bobo folclore.

            "Por favor, Ju pare de rir. Ele está aqui e pode estar te ouvindo. Deixe-me lhe explicar melhor: esse garoto, segundo livros históricos da família, não era normal... Digo não como nós. Ele possuía algumas coisas especiais, como poderes.” – Minha mãe me olhava com precaução.

            Ok, agora já é de mais.

            "E diz a lenda que depois do dia em que esse garoto morreu, todas as pessoas como ele foram extintos, pois ele era o único até a época. Por isso foi concedido à ele ficar no lugar em que morreu para poder proteger quem ele quisesse e que vivesse aqui. Foi concedido também um desejo."

            "Espera um pouco? Tem um fantasma aqui? E que desejo foi esse? Eu ainda não entendo o que eu tenho haver com todas essas histórias?" – Minha voz soava como uma mistura de preocupação, medo e deboche.

            "Ninguém sabe qual foi o desejo, nem se é verdade... Eu sempre pensei que fosse só uma lenda. Só que depois que eu vi essa carta..." – Suas palavras foram sumindo gradativamente.

            "O que tem nela?" – Perguntei surpresa

            "Vê se você enxerga alguma coisa."

            Eu estava preocupada, ou não. Se minha mãe me mandou ver se enxergava algo, significa que não tem nada lá. Eu a abri, mas para minha surpresa, estava cheia de letras e a escrita era a mesma:

            Bonita, itálica e bem caligrifada. A única diferença é que no verso estava:

Para Júlia Stoni, 2011

            "Tem mãe, tá cheio de coisas escritas aqui" – Eu já estava desesperada.

"Tem mais uma coisa: diz a lenda, que só o protegido, conseguirá ler o que seu protetor lhe enviar."

sábado, 6 de agosto de 2011

Para Aline Raquel

Seis de Agosto de Dois mil e onze. Confesso que um ano atrás, essa data não era especial para mim. Mas hoje, é um dos dias que eu jamais poderia esquecer. Porque ele é completamente importante... Hoje é seu aniversário Linezita! Um dia que você completará mais uma jornada e mais um passo dos milhares que pertencerão à sua vida longa e feliz. Eu só queria te desejar as melhores coisas que possa haver nesse mundo... Paz, saúde, prosperidade e que Deus sempre te abençoe e te ilumine. Parabéns, saiba que eu sempre estarei aqui, porque eu te amo, minha amiga.

♥ Eu te amo.

4º Capítulo: Carta(s)

            Já eram 20 horas e minha mãe estava gritando por mim. Ela me contou tudo sobre seu novo emprego, que estava localizado perto de uma das mais belas piscinas naturais desse estado e talvez, até mesmo do país: a Barra Grande. Ela tem uma riquíssima fauna e flora que com certeza, impressionam a todos. Ela me prometeu irmos lá algum dia. E eu adoraria, pois era um dos lugares que eu gostaria de ir. Rafael mostrou o que fez em sua aula e eu fiquei feliz em como ele estava entusiasmado. Eu só esperava que isso continuasse, mais e mais. Jantamos e depois limpamos a mesa.

***

            “Mãe, eu estava pensando. Será que um dia podíamos comprar uma casa nova?” – Disse-lhe com receio em minha voz e meus olhos direcionando a tela da televisão.

“Eu não entendo, por quê?” – Ela disse direcionando-se a mim e me olhando. Eu sabia que ela não iria entender. No começo era eu quem quis comprá-la. Eu adorei o gigante jardim aos fundos que me remetia às casas da Holanda e suas maravilhosas flores coloridas e intensas. Eu amei a decoração antiga que me remetia a Roma medieval. Eu amei seu formato que me lembrava casas da Inglaterra, com seu arco de entrada e suas grandes janelas. Eu amei tudo, exatamente tudo. Porém, agora é diferente. Eu estava sentindo que essa casa não me traria coisas boas. Ela gritava isso para mim e parecia que o assunto estava mais próximo do que nunca e eu já sabia, só não sabia como e por que.

“Eu não sei, meus sentimentos estão confusos. Acho que essa casa me remete às coisas ruins, só não sei explicar como.” – Eu disse a olhando. Talvez ela me entendesse, quando olhasse em meus olhos ela sentiria isso comigo.

“Eu não sei filha, eu gastei todas as minhas economias nessa casa. E se não fosse por seu tio ter me dado um desconto, talvez eu não tivesse conseguido nenhuma.” – Eu a entendo e sei como é difícil estar de mudança para uma nova cidade, não conhecer ninguém, não saber onde nem com quem comprar uma casa. O sentimento de pavor foi desaparecendo e meu rosto deve ter mostrado isso, pois ela disse imediatamente:

“Sabia que entenderia. E não ficaremos aqui para sempre, não é.” – Ao invés de fazer-me uma pergunta, o seu não é, pareceu mais uma afirmativa. Como se ela soubesse o dia exato em que partiríamos daqui.

“Obrigada” – Ela disse me dando um beijo na testa. Eu fiz um meio sorriso de despreocupação e pareço ter a agradado.

            Assistimos a programação até que comecei a bocejar.

            "Mãe, estou indo para meu quarto. Preciso terminar umas lições e depois irei dormir." – Repentinamente, lembrei-me da carta e vasculhei a mesa com meus olhos - até então sem preocupação - e virei o rosto para minha mãe novamente.

            Olhei mais uma vez para a mesa e espera um pouco [...]

             "Tudo bem filha, você precisa..." – Sua voz foi desaparecendo conforme eu me perdia em meus pensamentos.

            [...] Onde estava a CARTA?

            "MÃAAAE! Onde está a carta que eu tinha deixado em cima da mesa?" – A preocupação entoava em minha voz, mas do que eu queria estar. Porque eu estava tão preocupada com essa carta?

            "Eu achei que fosse lixo, E..."

            "Não precisa terminar, o caminhão passou e a levou." – A interrompi.

            "Mas..." – Ela tentou dizer.

            "Não era nada especial mãe, então... Boa noite!"
           
            Já era tarde quando terminei minhas lições. Eu não conseguia parar de pensar na carta, eu sentia que havia algo importante nela, mas eu não sabia o que, nem por que. E agora, eu nunca mais saberia, ela havia se perdido. Para sempre? É, e eu viveria assim: com esse pensamento de que eu precisava dela, eternamente.

Deixei todos os pensamentos de lado. Agora não há nada que eu possa fazer. Comecei a arrumar minhas coisas e algo caiu embaixo da cama.

            "Não acredito, minhas chaves."

             Não conseguia enxergar nada e então comecei a "varrer" embaixo com minha mão. Encostei-me a um papel e logo depois encontrei as chaves. Empurrei ambos para perto de mim e para minha surpresa o papel era um envelope. Eu o abri e vi uma carta. Que ótimo: duas cartas para mim. Em um mesmo dia.

            "Não deixarei essa escapar." – Resmunguei comigo mesma.

            Essa tinha um remetente, e pela minha infelicidade não era a mesma. Talvez fosse do outro morador, porque esse remetente se chama "Seu anjo". Ri comigo mesma ao lembrar-me de mim e Bruno, fazendo brincadeiras e jurando proteção um ao outro para sempre, nos nomeando um anjo do outro. Imediatamente me encolhi com a lembrança.

            "Respire fundo." – Eu disse a mim mesma.

Comecei a leitura, era uma letra bonita, itálica e bem Caligrafada:


Não acredito, eu não quero ler romances. Não mesmo.


Espera um pouco, existe mais alguém no mundo que coincidentemente consegue fazer o mesmo que eu? Sorri ironicamente.


A cada palavra eu bocejava. Talvez amanhã eu leia. Antes de guardar, por curiosidade olhei para o verso e lá encontrei: