segunda-feira, 22 de agosto de 2011

8º Capítulo: Arquivos de Família

            Eu acordei com uma meta hoje. Eu iria descobrir tudo sobre meu protetor, ou melhor, Gabriel. Ele esteve ao meu lado, todo esse tempo. Agora é a minha vez de estar lado dele. A manhã seria corrida, eu sabia disso. Por isso a iniciei com um grande prato de cereais matinais. Minha mãe estranhou essa minha repentina fome pela manhã. Afina, o café da manhã é sempre a minha menor refeição.

            "Mãe, preciso dos arquivos e tudo mais sobre nossa família."– Falei em um tom decidido, nem eu mesma sabia que havia essa determinação em mim.

            "Está tudo no porão filha. Eu não posso ir com você agora, mas..." – Sua voz foi gradativamente silenciando-se e eu tinha certeza de que tudo veio a tona: Meu pai. No começo eu achava que ela sabia para onde ele havia decidido ir, mas com os anos eu percebi que sua dor era tão grande, que ela não conseguia nem pensar no assunto. Os arquivos de família eram a paixão dele, então ela não conseguiria e eu não a cobraria por isso. Jamais.

            "Tudo bem, eu vou sozinha." – A interrompi.
           
            Ela assentiu com rugas entre a sobrancelha. Percebi que o canto de seus lábios começou a recair sem ela mesma perceber. O que minha mãe precisa agora é de privacidade. E é isso o que eu vou fazer, pois ela merece ser feliz, e com as lembranças sendo remoídas nada será esquecido.

            Meu pai era quem cuidava de tudo, esses arquivos eram exatamente o que ele tinha de mais precioso e com certeza, toda a família pensava assim. Era como se você pudesse voltar ao passado e viver tudo o que seus antepassados viveram. Eu lembro como se fosse hoje como ele dizia com carinho sobre tudo. Eram tantas historias e diferentemente de todas as outras, essas eram interessantes. Como ele dizia... “Estava no sangue” e deve ser por isso que eu sempre gostei.

***

            As escadas que davam para o porão são exatamente como em filmes, talvez todos os porões – pelo menos os que permanecem intactos ao passar os anos – sejam iguais. Eu nunca havia vindo aqui desde a mudança. No porão está tudo completamente sujo e não há mais nada além de dois armários e uma mesinha no canto do cômodo. A mesa parecia ter sido usada há pouco tempo, pois o pó estava fincando–se ainda. Estranho, vou conversar sobre isso com minha mãe depois, pois ela com certeza não esteve aqui.

            Decidi não enrolar mais e fui à busca dos livros. Os arquivos ficavam divididos conforme a letra inicial do nome do antepassado da família. A cada década uma pessoa ficava responsável por introduzir nomes a esse livro. Encontrei o livro pertencente à letra G e vasculhei cada linha, em busca de uma única pista sobre Gabriel Stoni Bonsóar, e o mais estranho é que não há nada. Gabriel Avelar, Gabriel Beonino... Gustavo Feróin... E nada do meu Gabriel.

            Sentei–me na mesa e decidi pensar um pouco no que meu pai me contava. Imediatamente lembrei–me de uma história. Quando eu tinha mais ou menos oito anos, meu pai me disse sobre um livro de magia. Esse livro pertencia à alguém que morreu à muito tempo, mas não conseguiu ingressar em um novo mundo. Hoje tudo fazia sentido. Esse era o livro de Gabriel. Mas como o encontrar? Eu me fixei nas histórias de meu pai e tentei procurar algum lugar que possivelmente esse livro estaria. Castelos, fazendas, nuvens, planetas distantes... Em nenhum deles, com certeza.

            Segui os próximos setenta minutos tentando me concentrar e lembrar como eu poderia encontrar alguma pista de como chegar à verdadeira história de Gabriel Stoni
Bonsóar. Eu ficaria aqui pelo restante do dia, Mas...

“Júlia, Júlia minha filha! Você está ai?”- Minha mãe me chamava terrivelmente desesperada.

“Estou aqui mãe!” – Tentei acalmá-la
           
“Graças a Deus Ju! Eu havia esquecido que você estava ai. Você pode subir para comermos?”

            “Já estou a caminho.”

            Olhei mais uma vez para aquele lugar. Eu sentia que faltava alguma coisa, mas resolvi deixar para depois. Afinal, estava com muita fome. Eu não sabia por onde começar, nem onde eu iria chegar, só sei que hoje o que eu mais quero é ele. Seu bem. Mesmo que todo mal caia em mim. Eu tenho certeza que é o que ele faria por mim. É o mínimo de retribuição que eu posso transparecer.

            Apressei-me e cruzei até a metade do porão até que eu tropecei. Era um tapete, mas não foi ele o culpado pela minha queda. Na verdade, havia alguma coisa abaixo deste.
Não me contive. Ao levantar o tapete, encontrei um cadeado que aparentemente, deveria proteger um “fundo falso”. Ele estava destrancado. Ao abrir, meus olhos focalizaram imediatamente a uma única direção. Lá estava ele. O livro de magias.

Almocei o mais rapidamente que pude e acabei comendo pouquíssimo. A minha ansiedade está enorme. Eu o havia encontrado. Eu não poderia estar mais feliz. O livro de magias que meu pai tanto me falara na minha infância. O mesmo livro que nunca dera a devida importância. Mas agora eu estaria com ele, e ele me levaria até Gabriel. Pelo menos eu esperava. Abri o livro em uma pagina qualquer e comecei minha leitura. Estava mais ou menos ao meio do livro. Era uma letra bonita e parecidíssima com a de Gabriel. A diferença é que essa parece uma letra com borrados, como se estivessem sido escritas com agilidade e de uma forma anormal, me transmitem medo.

“ Gabriel Bonsóar, 1815

Hoje estou aqui. Tentando imaginar qual será meu próximo passo. Por enquanto, eu sei que conseguirei escrever esse livro e poderei organizar tudo o que eu ainda sei. Talvez ninguém nunca imagine como eu estou fazendo isso. Então irei dizer. Hoje eu vi minha própria morte. Acontecerá daqui a um mês. O mal virá até mim. Somente não sei por que irei morrer se eu tenho poderes o suficiente para detê-lo. Talvez o que me diziam seja verdade, eu não deveria existir. É contra todas as leis da natureza. É contra tudo o que se possa imaginar. Eu concordo, eu sei que a maldição correrá até mim e eu terei a terrível certeza de que algo terrível acontecerá. Eu necessito saber se ela ficará bem. Ela não tem culpa de nada. Absolutamente nada do que ocorreu. Eu preciso salvá-lo, eu preciso deixá-la a salvo. Somente assim eu estarei em paz.”

É o livro de Gabriel. O meu Gabriel. Mas eu não entendi o porquê dessa letra terrivelmente diferente e que me ponderava nesse “mal”. Eu estou preocupada. Como alguém tão bom pode ter ocasionado algo tão terrível? E que algo é esse? Quem é essa pessoa que ele precisa proteger? Seria a mim? Como? É um pouco ilógico de mais. Em 1815, eu com certeza não estava viva. Eu poderia responder a todas essas perguntas se meu pai estivesse aqui. Eu preciso tanto dele nesse momento. É como se tudo rondasse em uma mesma pessoa, ou até mesmo duas. Como se essas pessoas pudessem me responder tudo e ao mesmo tempo, nada. Como se esse nada se tornaria exatamente tudo o que eu preciso, se ele: João – meu pai – estivesse aqui.

Um comentário:

  1. previu a própria morte #choque!!!

    livro de magias? adorooo tão poteriano!! xDD

    o que será que o pai dela tem a ver com isso?

    curiosaaaaaaa

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